Desde sua criação por Darcy Ribeiro, a UnB tem servido de exemplo. Foi ela que deu início a diversas mudanças na estrutura e no funcionamento do sistema universitário brasileiro. A atual administração do reitor Timothy Mulholland estava dando continuidade a essa história, até a decisão equivocada de retomar ao velho hábito de manter apartamento funcional para o reitor e de desperdiçar recursos para mobiliar esse apartamento.
Mesmo que nenhum ato ilegal tenha sido cometido, houve clara falta de ética nas prioridades na canalização de recursos para o apartamento funcional, em detrimento de gastos mais urgentes e comprometidos com as atividades-fim e o bem-estar da comunidade. Além das prioridades equivocadas, a decisão feriu gravemente a imagem da instituição e ofuscou realizações positivas de uma história que vem trazendo importantes mudanças na UnB, inclusive realizadas pelo reitor Timothy.
Devemos prestar reconhecimento à atual administração da UnB pelo que vem fazendo. Mas precisamos também reconhecer o grave erro cometido, suas conseqüências e a obrigação que a instituição tem de sair dessa situação e defender sua autonomia, ameaçada pelo desprestígio e pela presença da polícia e de interventores no câmpus — o que só acontecia durante a ditadura. O único caminho para retomar o prestígio da UnB e garantir sua autonomia é recolocar seu destino e sua condução nas mãos da comunidade, debatendo as denúncias que pesam sobre a Finatec e sobre os gastos com o apartamento a ser destinado aos reitores.
Ao reitor, de imediato, cabem quatro ações: a) substituir sua defesa, baseada na legalidade, pelo reconhecimento do erro cometido, e pedir desculpas; b) aceitar o debate com toda a comunidade, consultando professores, alunos e servidores sobre as medidas a serem tomadas para corrigir a presente situação, evitar que ela se repita e recuperar a imagem da instituição; c) abrir ao escrutínio da comunidade e da sociedade as contas de todos os órgãos da UnB e entidades afins, desde 1985; d) dedicar-se integralmente a esse debate, liberando-se das atividades normais de reitor, de modo a evitar a interrupção do dia-a-dia da administração e os projetos em andamento.
À comunidade, cabe: a) reconhecer que tem estado alienada e omissa, entregando os destinos da instituição apenas aos dirigentes; perguntar-se como é possível que a comunidade acadêmica só tenha sabido desses fatos pelos jornais, graças ao Ministério Público; b) retomar a participação e o debate, sem se limitar a esse fato, refletindo sobre a perda de compromisso público que caracteriza as funções estatais brasileiras; reconhecer que o mais grave é que esses erros sejam legais; como era legal a escravidão; como ainda é legal termos 16 milhões de analfabetos e, ao mesmo tempo, 4,5 milhões de universitários; é legal que apenas um terço de nossos jovens terminem o ensino médio; é legal pagar salários baixos aos professores da educação básica; promover gastos luxuosos em prédios públicos do Judiciário, Legislativo e Executivo; são legais as lixeiras caras que existem nos palácios do setor público, sob o olhar omisso de todos.
Além de denunciar o erro do reitor, a comunidade acadêmica não pode ficar omissa diante da corrupção nas prioridades e do corporativismo dos dirigentes e da comunidade, que olham para suas instituições como se o mundo não existisse além dos seus limites. O debate não deve se limitar ao apartamento do reitor, nem ao que aconteceu dentro do câmpus. Nem pode se reduzir à classificação dos fatos como legais ou ilegais. É preciso discutir se foram corretos e éticos.
Sem desculpar aqueles que, utilizando fundações paralelas, tomam decisões que causam desperdício, precisamos reconhecer que há muito mais austeridade nas unidades públicas de ensino superior do que nos demais órgãos estatais brasileiros. Nem devemos esquecer que nós, universitários, temos ficado omissos diante da vergonhosa falta de ética nas prioridades que caracteriza a administração pública brasileira.
Não podemos deixar que a crise diminua o valor e o prestígio da UnB, nem deixar que esse erro sirva para estigmatizar toda a comunidade universitária brasileira que, sem recursos, tem conseguido levar adiante o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Isso depende de cada aluno, dirigente, professor, servidor. Eles precisam pedir desculpas por sua alienação ante a administração. E o reitor deve pedir desculpas por seu grave erro, e colocar o futuro da UnB nas mãos da comunidade.
Cristovam Buarque,
Ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), ex-governador do Distrito Federal e senador da República pelo PDT
Mesmo que nenhum ato ilegal tenha sido cometido, houve clara falta de ética nas prioridades na canalização de recursos para o apartamento funcional, em detrimento de gastos mais urgentes e comprometidos com as atividades-fim e o bem-estar da comunidade. Além das prioridades equivocadas, a decisão feriu gravemente a imagem da instituição e ofuscou realizações positivas de uma história que vem trazendo importantes mudanças na UnB, inclusive realizadas pelo reitor Timothy.
Devemos prestar reconhecimento à atual administração da UnB pelo que vem fazendo. Mas precisamos também reconhecer o grave erro cometido, suas conseqüências e a obrigação que a instituição tem de sair dessa situação e defender sua autonomia, ameaçada pelo desprestígio e pela presença da polícia e de interventores no câmpus — o que só acontecia durante a ditadura. O único caminho para retomar o prestígio da UnB e garantir sua autonomia é recolocar seu destino e sua condução nas mãos da comunidade, debatendo as denúncias que pesam sobre a Finatec e sobre os gastos com o apartamento a ser destinado aos reitores.
Ao reitor, de imediato, cabem quatro ações: a) substituir sua defesa, baseada na legalidade, pelo reconhecimento do erro cometido, e pedir desculpas; b) aceitar o debate com toda a comunidade, consultando professores, alunos e servidores sobre as medidas a serem tomadas para corrigir a presente situação, evitar que ela se repita e recuperar a imagem da instituição; c) abrir ao escrutínio da comunidade e da sociedade as contas de todos os órgãos da UnB e entidades afins, desde 1985; d) dedicar-se integralmente a esse debate, liberando-se das atividades normais de reitor, de modo a evitar a interrupção do dia-a-dia da administração e os projetos em andamento.
À comunidade, cabe: a) reconhecer que tem estado alienada e omissa, entregando os destinos da instituição apenas aos dirigentes; perguntar-se como é possível que a comunidade acadêmica só tenha sabido desses fatos pelos jornais, graças ao Ministério Público; b) retomar a participação e o debate, sem se limitar a esse fato, refletindo sobre a perda de compromisso público que caracteriza as funções estatais brasileiras; reconhecer que o mais grave é que esses erros sejam legais; como era legal a escravidão; como ainda é legal termos 16 milhões de analfabetos e, ao mesmo tempo, 4,5 milhões de universitários; é legal que apenas um terço de nossos jovens terminem o ensino médio; é legal pagar salários baixos aos professores da educação básica; promover gastos luxuosos em prédios públicos do Judiciário, Legislativo e Executivo; são legais as lixeiras caras que existem nos palácios do setor público, sob o olhar omisso de todos.
Além de denunciar o erro do reitor, a comunidade acadêmica não pode ficar omissa diante da corrupção nas prioridades e do corporativismo dos dirigentes e da comunidade, que olham para suas instituições como se o mundo não existisse além dos seus limites. O debate não deve se limitar ao apartamento do reitor, nem ao que aconteceu dentro do câmpus. Nem pode se reduzir à classificação dos fatos como legais ou ilegais. É preciso discutir se foram corretos e éticos.
Sem desculpar aqueles que, utilizando fundações paralelas, tomam decisões que causam desperdício, precisamos reconhecer que há muito mais austeridade nas unidades públicas de ensino superior do que nos demais órgãos estatais brasileiros. Nem devemos esquecer que nós, universitários, temos ficado omissos diante da vergonhosa falta de ética nas prioridades que caracteriza a administração pública brasileira.
Não podemos deixar que a crise diminua o valor e o prestígio da UnB, nem deixar que esse erro sirva para estigmatizar toda a comunidade universitária brasileira que, sem recursos, tem conseguido levar adiante o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Isso depende de cada aluno, dirigente, professor, servidor. Eles precisam pedir desculpas por sua alienação ante a administração. E o reitor deve pedir desculpas por seu grave erro, e colocar o futuro da UnB nas mãos da comunidade.
Cristovam Buarque,
Ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), ex-governador do Distrito Federal e senador da República pelo PDT
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